Os cristais e os violinos de Alfredo Bensaude



Os cristais e os violinos de Alfredo Bensaude

LuisBastos

 

Por Luís Bastos

 

Alfredo Bensaude, nasce em Ponta Delgada no ano de 1856. Cedo sai de S.Miguel (aos quinze anos de idade) para estudar na Alemanha, destino decidido por seu pai, José Bensaude, que não descurou, porém, conselho prévio junto do amigo, Antero de Quental.
Viaja, então, rumo a Hanôver, onde faz estudos preparatórios, na Escola Técnica Superior, obtendo, posteriormente, o grau de engenheiro na Escola de Minas de Clausthal (1878) e doutorando-se em Gotinga (1882) na área da mineralogia. A defesa da sua tese de doutoramento, sobre o perovskit, mineral encontrado nos Urais (Rússia), em 1839, granjeou-lhe a notabilidade junto da comunidade científica alemã.

Foi estudante brilhante e homem atento às principais correntes de pensamento científico, filosófico e artístico do seu tempo. Mostrou-se sensível ao evolucionismo, bem como ao romantismo, que impregnavam uma Europa da segunda metade do século XIX, em luta pela redefinição de fronteiras e, como tal, politicamente instável.

VIOLINOS

Os dois últimos violinos construídos por Alfredo Bensaude (“Verdun” e “Canto do Cisne”)

Talvez arrastado pelas vibrações emocionais que o romantismo tão bem expressava na música, e pela ruptura no conhecimento científico que a revolução darwinista havia operado, certo é que o melómano e o cientista, logo se sobrepõem ao engenheiro da indústria mineira. É assim que, após uma breve passagem por esta profissão (em Espanha) ingressa, como professor (1884), no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa e, em 1911, sob os auspícios da novíssima república, é convidado a conceber, estruturar e organizar, o Instituto Superior Técnico, do qual veio a ser seu director até regressar a Ponta Delgada em 1922, para tomar o lugar de seu pai (então falecido) na administração das empresas de que a família era proprietária.

Como já aludido, em post anterior, foi enquanto director do I.S.T. que Alfredo Bensaude ajudou o Liceu Antero de Quental a constituir o importante e valioso acervo mineralógico, ainda, hoje, existente naquela escola.

IMG_3

A paixão por rochas e cristais, não impedia, pois, o académico emérito (grau atribuído pela Academia das Ciências de Lisboa em 1929) de diversificar os estímulos intelectuais, lançando-o em aprofundados estudos sobre a história e a “essência da arte musical”, plasmados no ensaio, Uma Concepção Evolucionista da Música (1905) e que tem, como subtítulo, As Canções de F. Schubert, músico pelo qual nutria enorme admiração. Nesta obra, Alfredo Bensaude não esconde a influência que o evolucionismo teve no método analítico que pratica, quer para o conhecimento dos fenómenos naturais e sociais, quer para a compreensão do mundo das artes e, muito particularmente, da musica. De facto, é logo na pequena nota introdutória que escreve: “os leitores versados na teoria da evolução devem reconhecer facilmente que este estudo se baseia sobre princípios estabelecidos por Darwin e Spencer, mas que chegámos a resultados não previstos pelos dois grandes mestres, que só acidentalmente se ocuparam de música.”

IMG_4

O ensaio é uma eloquente investida pelos meandros da história da música, onde se relevam as características fundamentais dos seus diferentes períodos, examinando, por vezes com minúcia, as origens e evolução da dança e da música, desde a Antiguidade Clássica, passando pela Idade Média e Moderna, até à contemporaneidade; O canto, é sujeito a uma destacada análise e a uma interpretação devidamente enquadradas nos diferentes contextos históricos que a humanidade atravessa, desde os tempos primitivos, até à “perfeição estética” dos Lieder (canções) de Schubert. Para alguns autores, o lied está no âmago da obra de Schubert e nunca se terá ido tão longe na expressão do pensamento poético. Vale a pena, a este propósito, transcrever uma pequena passagem do livro onde, sobre o músico (que tudo indica ser o seu eleito) escreve o autor: “(…) o génio costuma ser quase sempre a desgraça do indivíduo que o possui. As plantas ornamentais dos jardins representam muitas vezes qualidades instáveis que, abandonadas, morrem ou degeneram. Só o cuidado do homem lhes conserva a existência, porque todas as funções vitais estão enfraquecidas em favor de uma manifestação ornamental ou estética. Os artistas geniais são também variedades em que as faculdades normais do homem se acham sacrificadas ao poder de expressão estética: são as flores dobradas da humanidade. Franz Schubert é um equivalente da rosa de Grasse: planta pequena, folha pequena e flor pequena, porque toda a sua vitalidade se esvai em melodias, que ainda hoje nos perfumam a banalidade da vida normal.”

 


 

Também os estudos sobre a evolução do ritmo, da melodia e da harmonia, não escapam a uma perspectiva eivada de darwinismo social. A descrição das características, bem como dos progressos técnicos verificados nos instrumentos musicais, ao logo dos tempos, merecem, igualmente, a sua atenção, por vezes, até, ao pormenor. Este ensaio constitui, ainda, um importante convite a todos aqueles leitores que, hoje, pretendam familiarizar-se com a matriz do pensamento dominante na Europa da segunda metade do século XIX.

IMG_6Alfredo Bensaude, construtor de violinos

“Sou um dos raros portugueses que têm construído rabecas dignas de tal nome.”

Este intelectual ímpar, de competências multifacetadas, inclui, nos seus atributos, o de exímio construtor de violinos. De facto, ainda na Alemanha, enquanto estudante, assistira a aulas de acústica onde, então, se experimentavam novos conhecimentos introduzidos por Savart, físico francês (1791-1841) cujas descobertas, no domínio da acústica, contribuiriam para aumentar, substancialmente, a qualidade dos sons produzidos pelos instrumentos de corda. Bensaude chegou mesmo a interromper os seus estudos para frequentar a oficina do grande mestre, dinamarquês, construtor de violinos, Jacob Eritzoe: “a paixão pelos encantos da rabeca valeu-me, naturalmente, a perda de um ano dos meus estudos, pois levou-me a abandoná-los, enquanto durou a minha aprendizagem – abençoada estroinice que me desviou provavelmente de outras piores e tantas horas felizes me tem proporcionado!” Assim, o apuramento da técnica de construção do instrumento era suportado por sólidos elementos teóricos.

Conta-nos Alfredo Bensaude, numa entrevista dada, em sua casa, à revista Os Açores, de 1928, que construiu, “inteiramente novos sete violinos, mas reparei centenas deles. (…) Todos os meus violinos têm um nome. O penúltimo é de 1916 e chama-se “Verdun”, porque foi construído quando se batiam doidamente na Grande Guerra. Ao último chamei-lhe “Canto do Cisne”. É de 1927. E com este terminei a minha tarefa de construtor de violinos. Agora já não tenho vista para mais.”

Ponta Delgada, cidade que viu nascer e morrer um dos seus maiores, parece continuar alheada da estatuária como a arte de esculpir e exibir aqueles de quem mais se pode orgulhar.

Luís Bastos




ESCOLA SECUNDÁRIA ANTERO DE QUENTAL

Largo Mártires da Pátria,
9504-520 Ponta Delgada
São Miguel, Açores

Telefone: 296 205 540
E-MAIL:

Geral: es.anteroquental@edu.azores.gov.pt
Conselho Executivo: cees.anteroquental@edu.azores.gov.pt
Serv. Administrativos - Setor Alunos: sa.alunos@esaq.pt
Serv. Administrativos - Setor Pessoal: sa.pessoal@esaq.pt
Serv. Administrativos - SASE: sase@esaq.pt


ESCOLA SECUNDÁRIA ANTERO DE QUENTAL

Largo Mártires da Pátria,
9504-520 Ponta Delgada
São Miguel, Açores

Telefone: 296 205 540


E-MAIL:

Geral: es.anteroquental@edu.azores.gov.pt
Conselho Executivo: cees.anteroquental@edu.azores.gov.pt
Serv. Administrativos - Setor Alunos: sa.alunos@esaq.pt
Serv. Administrativos - SASE: sase@esaq.pt